segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Capitu sou eu?


Como sempre, passando o olho em velharias ou "novarias", encontro coisas interessantes. Coisas, neste instante, são livros. Adoro quando uma capa ou um título chama os meus olhos, me desfia ou desafia, me provoca, me sacode e me torna curiosa. A mais recente risada solitária e silenciosa na livraria foi provocada por um livro de Dalton Trevisan (isso mesmo, o famoso vampiro de Curitiba). Não sabia da existência de "Capitu sou eu". Adoro essas descobertas, esse cheiro de susto, esse sopro do que pode ser a vida se abrindo em letras. Enfim, quem não pararia frente a um título como esse? Folheando, já são outros "quinhentos". Para quem tem estômago, recomendo a leitura, mas eu não me atrevo tão cedo a ler uma embrulhada no estômago. Histórias pedófilas e tal. Tudo bem, já sabia do potencial erótico de Trevisan, mas posso acabar com refluxo gástrico.
Não vou negar que o texto é delicioso, envolvente, garimpado, e, por isso mesmo, doloroso, porque suga suas atenções para assuntos delicados e que todos preferem não comentar. Aliás, existe um outro também com título, no mínimo, pitoresco: "Macho não ganha flor". Ah, tem também "O grande deflorador" e "Lincha tarado". Desculpem-me, mas me divirto quando lembro desses títulos. São curiosos, chamam para a leitura, além de descascar um humor fresco e ácido.


Criança

— Tua professora ligou. De castigo, você. Beijando na boca os meninos. Que feio, meu filho. Não é assim que se faz.
— ...
— Menino beija menina.
— Você é gozada, cara.
— ...
— Pensa que elas deixam?


DALTON TREVISAN

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Florbela dos meus dias...


Ah, Florbela... Além de ser ímpar na poesia, ainda tinha que vir com um nome tão lindo, forte, que diz tudo...

Eu ...

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

(Florbela Espanca)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Pedro Juan Gutiérrez


Segundo a revista Cult, Pedro Juan Gutiérrez é o escritor cubano mais lido atualmente no Brasil. Nunca tinha ouvido falar no nome dele, talvez por isso mesmo eu precise estar mais atenta às novidades literárias. Mas, o que mais me chamou a atenção é que na entrevista concedida por ele à revista, li respostas bem diversificadas da maioria.
Foi a primeira vez que vi um autor assumindo que há sim uma autobiografia em seus livros e que gosta disso, de aparecer mesmo. É como se fosse uma confissão do que realmente acontece com alguns escritores, descortinando um pouco para nós, leitores, como funciona o processo de criação artística.

Leia abaixo a pergunta e a resposta:

Cult - Você escreve em primeira pessoa. Quanto há de autobiográfico em seus livros? Como é expor a si próprio em seus livros?
Pedro Juan - É como fazer um strip-tease. Sinto-me muito bem me desnudando e em que todos me vejam. Gosto de me exibir.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Congresso

Uma novidade para jornalistas que gostam da área cultural: a revista Cult irá promover o I Congresso de Jornalismo Cultural, de 4 a 8 de maio/2009, das 10h às 17h, no teatro da Universidade Católica/PUC - SP. O tema é "Os Caminhos do Jornalismo Cultural".
Segundo a revista , "o projeto visa promover a reflexão e o debate sobre o pensamento contemporâneo, as várias identidades culturais e o espaço nas publicações para a difusão dessa diversidade".
A programação inclui painéis de crítica musical, literatura, cinema, televisão, internet, teatro. Os assuntos versam sobre o desenvolvimento da linguagem, pauta, edição e a formação do jornalista cultural.
Imperdível!!

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Saramagueando...

Pessoal, desculpem-me recorrer a Saramago tantas vezes, mas é que ele está no Brasil promovendo o lançamento de mais um de seus livros e já soltou uma grande pérola: "Não precisei ler o Paulo Coelho. Uma boa doença vale por toda obra do Paulo Coelho".

Essa foi ótima!! Palmas para o querido e único prêmio nobel de literatura da língua portuguesa!!

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Ensaiando...


Tanta gente falando agora do livro "Ensaio sobre a cegueira"...

Parece que só agora foi publicado... Culpa - positiva - do filme, que acordou em muita gente a vontade de conhecer esta e mais outras obras de José Saramago.

De tanto as pessoas falarem, fui em busca do meu, pra saber onde estava e guardá-lo ainda mais. Sim, porque não empresto mais livros...kkk. Chega de emprestar e não mais tê-los de volta. São meus filhos queridos e não quero mais deixá-los à toa por aí...

Então, foi quando pensei ter emprestado, pois não achava de jeito nenhum. Hoje, quase sem querer, me bati de frente com ele, como num passe de mágica. Olhei a data - sempre assino e coloco a data nos meus livros - e estava lá 06/05/2003, dia de meu aniversário com dedicatória de minha mãe. Estava fazendo 21 aninhos e já me deslumbrava com Saramago. Lembro-me que foi um dos livros mais "pesados" que já li, tive pesadelos, mas tive que terminá-lo de uma tacada só, senão ficaria louca. Precisava ver o final e a redenção dos personagens. Me marcou tanto que cheguei a dizer à época que não leria tão cedo ou até nunca mais, tamanha angústia me causou. Acho que a sensibilidade estava mais aflorada. Não sei se reagiria da mesma maneira hoje. Aliás, o legal de reler qualquer obra é justamente isso: um novo olhar, adquirido com as vivências do dia-a-dia, as mudanças de opinião que só o tempo podem trazer.

Deixarei ele bem quietinho, no armário e na gaveta do coração...

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Sobre meus textos

Em agosto último foi publicada uma análise sobre os meus "textos literários" no Jornal da Cidade, pelo meu colega Ezequiel Monteiro, articulista do JC e advogado. Gostei tanto que resolvi colocá-la aqui na íntegra.
Obrigada, Ezequiel, pelo incentivo de sempre.


Contos inovadores - Conheci Lara Aguiar através de artigos de literatura e de filosofia que a talentosa jornalista escreveu no primeiro semestre deste ano. Mais recentemente, porém, ela trouxe a lume dois contos surpreendentes: “Estranhamento” e “ Oceano Só”, peças estranhas e delicadas como um madrigal moderno. Longe de contar histórias de personagens fictícios e cerebrinos, Lara é ela mesma a personagem de seus contos expressando-se na forma de confissões. Quando falo em confissão não estou me referindo necessariamente ao registro verídico e realista das experiências da escritora, mas ao discurso inspirativo suscitado por uma emoção seminal, que tanto pode aludir a um efetivo estado de alma da autora, como também consistir em uma confissão inventada e portanto uma emanação artística da subjetividade. Em um momento é Susan, em outro se fala do oceano profundo, tempestuoso e lindo que é a alma feminina. A proposta de Lara Aguiar, no prisma do conteúdo, é original e fecunda porque o seu desenvolvimento pode se tornar um instrumento investigativo e resgatador da essência interior da pessoa. Outro aspecto que chama a atenção nesses dois contos publicados de Lara Aguiar, e está ligado à sua substância confessional, pertine à estrutura ficcional, uma vez que a escritora emergente inova radicalmente a concepção do gênero literário como uma narrativa centrada em uma história. Ao produzir contos sem história, ou com uma história dispersa no tecido da confidência, a ficcionista surgente alarga sensivelmente as possibilidades da criação contística principalmente em nosso meio, caracterizado por um modelo naturalista e vetusto de contadores de história. Este articulista, que há quase três anos vem se exercitando no aprendizado da ficção curta depois de ter passado muito tempo desligado da literatura, está experimentando uma alentadora renovação em sua capacidade de criação a partir da leitura dos contos em exame. Normalmente os talentos novos cumprem uma fase inicial escorados na técnica e nos recursos empregados pelos artistas veteranos. Lara Aguiar é diferente. Logo nas suas primeiras peças quebrou um padrão estético e com seu ímpeto inovador vai exercer uma influência modernizante na curta ficção de Sergipe. Agora vêm as indagações: quantos contos já escreveu Lara Aguiar? pretende a escritora desenvolver sua proposta pesquisadora da subjetividade? podemos ter certeza da continuidade de sua experiência literária? Quanto a mim, observador opiniático, só posso dizer uma coisa: desde que comecei esta enfadonha colaboração no JORNAL DA CIDADE, esses primeiros contos de Lara Aguiar foram a coisa mais importante que aconteceu na curta ficção local. Não vejo as coisas como se apresentam em seu estágio atual, mas projetivamente. Acompanho o impulso inicial com meus olhos e vejo a trajetória estelar.

Poesia do nada




Cidadão das coisas miúdas lá do Pantanal, o poeta Manoel de Barros brinca com os bichos e as coisas nos livros que faz sobre "coisa nenhuma", como ele mesmo diz. É que, mesmo parecendo um vovô do sítio, gosta de inovar ao desarrumar a linguagem e garante que não gosta de palavra acostumada. Segundo ele, a "palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo pra ser séria".
Manoel de Barros escreve sobre o inútil, ou mais exatamente sobre aquilo que é visto como dispensável, ou mais ainda, que não é visto. Enquanto o escritor se deleita com os movimentos das formigas, as idéias são farejadas e vão parar nas diversas obras que produziu ao longo dos anos. Mais do que a tentativa de expressar um nada, Manoel de Barros tenta reconstruir o mundo a partir de sua própria linguagem, virando as costas para o óbvio e o comum.
Ao descortinar o essencial com tamanha brincadeira, o vovô do sítio não se intimida com os olhares de espanto dos leitores mais quadrados. Ele sabe que não dá para ser diferente ou focar o olhar na banalidade se não for por meio do jogo das palavras, de onde são extraídas as grandes pérolas da verbalidade. Dando voltas em si, a linguagem manoelana comprova o quanto "a expressão reta não sonha".
Em "Livro sobre nada" (1996), Manoel de Barros realiza grandes rupturas com o convencional e cria neologismos a cada instante de versos, levando os leitores a pensar outras imagens diante da nova construção lingüística, onde os objetos ganham outros significados e os verbos se alimentam de variedades, como nos casos em que a transfiguração verbal resulta em novidades de sentido.
O que assusta em Manoel de Barros é o desfazer da poesia, é o brinquedo com o qual ele parece sorrir toda vez que descobre uma nova realidade para o que já estava em ordem. Desconstruir parece ser o verbo da vez na metapoesia do autor, por meio de um retorno ao fazer poético, ao delírio de se transformar em palavra toda vez que assim ela desejar.
Com tanta densidade, Manoel de Barros não é para ser lido à toa, mesmo que seja uma tarefa divertida. Isso porque há muita palavra dentro da palavra de seus versos. Pode-se dizer que o grande componente da sua obra é a metáfora, mas sem esquecer a ação desestruturante das figuras originais que beiram o incompreensível. Porém, o estilo parece ser o objetivo do autor, que deve vibrar com a musicalidade e o não-dizer da poesia, além da fragmentação de sua prosa poética. Todas essas características fazem de suas obras uma realidade desencaixada dos gêneros literários já conhecidos.
O autor mato-grossense, nascido em 1916, já ganhou diversos prêmios literários e pertence à geração de 45. Considerado um poeta moderno, principalmente no trato com a linguagem, é avesso ao lugar-comum e um estudioso de expressões que ainda não foram gastas. Em Manoel de Barros, a poesia atinge o universal, até mesmo quando a natureza serve de inspiração para o criançamento das palavras.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Bandeira de bolso


Passando o olho na Escariz, encontrei hoje um livrinho de uma edição especial de 2005. Comprei na hora, por R$ 9,90, "Manuel Bandeira - Libertinagem & Estrela da manhã", com apenas 64 páginas e alguns dos melhores poemas de Bandeira. Faz parte de uma Edição Comemorativa de 40 anos da editora Nova Fronteira e é apresentado por Godofredo de Oliveira Neto. Enfim, recomendo porque sempre é bom ter Manuel Bandeira na estante de casa, mesmo que seja uma amostra da sua obra.

Confira um trecho de "Não sei dançar":

Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.

Manuel Bandeira (1886-1968)

Boa Luz


Ontem passei o domingo inteiro na Fazenda Boa Luz, no município de Laranjeiras. É tão pertinho... Adorei tudo, menos o preço...kkkkkkk
Só para entrar, R$ 35, com direito ao parque aquático e visita ao zoo. Mas qualquer coisa extra, como bóia, charrete, bicicleta, cavalo, lá vão mais trocados. Almoçar, então... É melhor ficar no lanchinho...
Enfim, amei o olhar de um gato que estava passeando no parque...

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Carnaval dos sindicatos

Todos nós sabemos da importância de uma greve trabalhista. É através dela que são realizadas melhorias no funcionalismo público ou privado. Ah, temos a certeza também de que a greve foi uma grande conquista alcançada por trabalhadores de todo o mundo, no sentido de garantir os seus direitos. Mas, o que não dá pra entender é o porquê de grevistas promoverem passeatas em pleno horário comercial, em pontos críticos da cidade, parecendo mais um bloco de Carnaval do que propriamente uma luta pelos benefícios a serem conquistados.
Pra dizer a verdade: é um saco! Por que não se limitam a fazer "baderna" em frente à Assembléia Legislativa ou à Câmara de Vereadores, em praças no centro da cidade? Se a idéia é chamar atenção, nesses lugares já seria o bastante. Afinal de contas, quem vai resolver o problema deles se encontra naquelas duas casas, ou até mesmo nos palácios estadual e municipal.
O que eu, você e o povo tem a ver com isso? Não estou me excluindo das lutas sociais. Acho-as até muito justas. Mas por que eu preciso me atrasar para ir ao trabalho por conta de pessoas que, apesar de estarem lutando por causas nobres, me impedem de ir e vir? Elas não estão trabalhando, mas o resto da cidade está. E muito. Pior do que se atrasar para o trabalho, é se atrasar para ir ao médico, ou sei lá... qualquer tipo de pendência importante. Queria era uma ambulância do Samu gritando para que eles saíssem da frente. Esse tipo de manifestação, realmente, não resolve nada... Então, para que atrapalhar o direito do outro? Espero que todos reflitam sobre isso, no mínimo.

sábado, 1 de novembro de 2008

Pedágio?

Ultimamente tenho visto uma cena que me deixa com uma pontinha de indignação. Posso até estar errada, mas acho que pedir dinheiro no sinal deveria ser coisa de quem realmente precisa acabar com as necessidades primeiras, tais como: fome, sede, remédios. Mas não é só mendigos e crianças que vêm bater no vidro da porta do carro. A moda agora, cada vez mais comum, é estudantes universitários pedirem centavos para fazer viagens a congressos e até mesmo, pasmem!, colação de grau. Será que é pra festa de formatura?
Eles chamam esse ato de "pedágio". Com esse nome, realmente passa a sensação de cobrança obrigatória. São todos bem vestidos, provavelmente da classe média, com fantasias e faixas. Será que os pais sabem que seus filhos estão nas ruas "pedindo esmolas"? E o pior: por motivo ínfimo.
Ora, eu não tive festa e sobrevivi. Quanto à minha colação de grau, juntei meu dinheirinho de estágio e consegui. Eles têm que tentar também.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Só para a escola?


Esta semana assisti a um filme que me deixou pensativa: Guerra de Canudos, de 1997. Acho que vi tanta beleza e cenas convicentes que me empolguei e lembrei que filmes assim, sobre fatos históricos e bem propícios ao uso educativo, sofrem grande preconceito, principalmente de alguns cinéfilos brasileiros. Mas há também uma grande parte de expectadores que estigmatiza e acha que filmes assim só servem para professor utilizar como mais um complemento na sua disciplina.
Bate uma melancolia bem no fundo, misturada com uma revolta... É que assisto a qualquer filme com a mente livre de preconceitos e idéias pré-concebidas. Infelizmente quem mais assiste - os alunos - é quem mais critica, pois foram "obrigados" pela escola e acabam desprezando o potencial das películas. "É muito chato esse filme. E ainda temos que fazer o trabalho", é o que diz a maioria. Já no tempo de escola percebia tudo isso e ficava irritada porque queria assistir "Dr. Jivago" e a turma não se calava.
Outro dia desses, mais uma vez me deu vontade de assistir ao filme "Memórias Póstumas de Brás Cubas", baseado na obra de Machado de Assis. Procurei em uma locadora, mas estava emprestado. O recepcionista disse: "É para trabalho?". Eu respondi que não. Quando finalmente achei em outra locadora, assisti em casa, como sempre, com um novo olhar. Ao devolver a mídia, o recepcionista falou bem certo de si: "Conseguiu fazer o trabalho da faculdade?". E assim fui para casa, com a impressão de que fiz algo que os outros fazem somente por obrigação.
E assim deve acontecer com filmes como "Aleijadinho", "Olga", "Dom", "O enigma de Kaspar Hauser", e até os mais tradicionais como "Senhora" e "Lucíola". Agora, tem dois filmes que são muito usados em universidades e parecem escapar do preconceito, talvez pela excelente qualidade: "Nós que aqui estamos por vós esperamos" e "Janela da alma", dois documentários. Não estou dizendo que esses filmes todos são excelentes. Só estou propondo uma visão extra-classe, onde possamos enxergar as características do filme, sem a obrigação do dever de casa para passar de ano.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Para que sossegar?


Estou lendo há um bom tempo o "Livro do desassossego", de Fernando Pessoa. E o mais interessante: não tenho a mínima vontade de acabar a leitura. É como se quisesse ter para sempre aquela bíblia me conduzindo ao menos uma vez por dia, me levando a refletir e a entrar na minha oração diária.
O livro é todo feito de fragmentos, como se fossem pensamentos derramados em momentos de profundidade do autor. A vida e a obra parecem se confundir completamente, como se Pessoa quisesse mesmo deixar esse "quase diário" para a posteridade.
Acompanhando o ritmo das outras obras do poeta português, cada uma com seus heterônimos, este "Livro do Desassossego" é realizado por meio de um semi-heterônimo, Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. E mais uma vez Pessoa se recolhe atrás deste narrador que agora resolveu escrever uma espécie de autobiografia sem fatos.
Tudo o que vê e sente é inspiração para esta prosa poética e filosófica. Há perguntas e respostas imediatas, o prazer e a dor de escrever, além de palavras em sistema de curvas, sempre dançando ao ritmo de uma melodia sedosa e, por vezes, "desversificada".

Fragmentos:

"São sempre cataclismos do cosmos as grandes angústias da nossa alma. Quando nos chegam, em torno a nós se erra o sol e se perturbam as estrelas. Em toda a alma que sente chega o dia em que o Destino nela representa um apocalipse de angústia - um entornar dos céus e dos mundos todos sobre a sua desconsolação".

"Para mim, escrever é desprezar-me; mas não posso deixar de escrever. Escrever é como a droga que repugno e tomo, o vício que desprezo e em que vivo".

"Escrever, sim, é perder-me, mas todos se perdem, porque tudo é perda. Porém eu perco-me sem alegria, não como o rio na foz para que nasceu incógnito, mas como o lago feito na praia pela maré alta, e cuja água sumida nunca mais regressa ao mar".


** Como o livro chega a custar mais de R$ 50 a edição normal, a Companhia das Letras lançou a edição de bolso que custa apenas R$ 29,50. É uma boa oportunidade de levar esse gostoso "desassossego" para qualquer lugar.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Ousadia natural


Alguém já leu "O amor natural", de Carlos Drummond de Andrade?

Mesmo sendo mais conhecido por suas poesias de cunho social e romântico, Drummond não deve ser esquecido quando se fala em literatura erótica brasileira. Mas não estou falando de um erotismo pelo erotismo, onde a frivolidade dos desejos é o que interessa, mas sim de um erotismo recheado de significado, emoldurado com muita delicadeza e sugestões sutis.

Curiosidade: Este livro com poesias eróticas não foi publicado em vida. Drummond era pudico demais para se expor. Um certo dia, acharam em sua gaveta essa obra ímpar.


Experimente um poema:


A língua lambe

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

"Ensaio sobre a cegueira"


A obra "Ensaio sobre a cegueira", do gajo premiado José Saramago, vai além da exploração do caos como fator determinante para a catarse da sociedade. Ela mostra a cegueira interior na qual estamos submersos, pois só enxergamos para fora e não estamos dispostos a observar o mundo com outros sentidos. É uma pena, porque se usássemos mais a nossa sensibilidade, o real não seria tão pedra bruta.
Provavelmente, quando Saramago descreveu a cegueira na narrativa, quis lembrar o quanto é importante estar de olhos fechados para ver além. Por isso a cegueira é branca. Não é igual à cegueira que surge por deficiência no organismo e escurece tudo ao redor. É a cegueira da luz, da luminosidade exagerada. Sim, porque luz demais também cega. É o extra branco de tudo aquilo que é impalpável e nos deixa atônitos porque não conseguimos decifrar com os olhos habituais.
É preciso não ver fisicamente o ambiente para poder compreender o terreno da intimidade.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Clariceando...


Quantas clarices (do tipo Lispector) devem existir por aí?
Tenho percebido que ultimamente vem crescendo o número de corações selvagens ao meu redor. É como se mais uma água-viva tivesse tocado (ou queimado) o imo de algumas vidas e imagino cada descoberta alheia com alegria, relembrando dos instantes-já onde também me deixei mergulhar.
Um novo conceito, uma nova textualidade, um novo risco, uma nova margem: tudo isso é o que você vai encontrar na obra de Lispector. Não pisque o olho de susto. Não tenha medo da vertigem de pulsar. Entregue-se!

Só pra começar

Em fase de teste, só experimentando este novo espaço, tentando deixar a timidez de lado para poder escrever aqui alguns ventos de pensamento...