segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Desencaixe


Não caibo. Sensação. Aqui. Instante. Aqui, nesse instante, uma sensação de que não caibo. Ou a sensação de que aqui, não caibo nesse instante. O instante que cabe em mim é menor que o aqui, já um tanto pequeno em mim. Mas se aqui não caibo nem em um instante, por que me furto a querer caber aqui? Eu derramo. Pelos poros. Pelas entradas e saídas. Pelas glândulas. Mas pelo que eu me caio, se o que sai de mim não me pertence, não me deram o controle? Sou cheia, abarrotada, não pertenço a este quadrado ou redondo. É geometral demais para meu sistema lunar. Na antisolaridade eu me reconheço, escureço, viro coruja, arregalo os olhos querendo ver o que nunca vou enxergar. Sede de futuro. Morcega da vida-noite. Onde me caibo? Eu caibo? Me faço de alegria para ver se num minuto qualquer eu entro na garrafa das coisas encaixadas. Porque viver de encaixes identitários é o que realmente me tornaria mais eu. 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Caminhante



Um caminho que flerta,
outro
que vai embora,
decida.
Semente sem germinar,
graça sem alcançar,
sorriso a almejar,
reflita.
Hiato dos sonhos,
buraco da consciência,
maracujá pra acalmar,
respira.
Uma vida espaçada,
medida
em turnos de insônia:
descida.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Amoramar


Antes daqueles lapsos de sono, olho pra o porta-retrato no criado-mudo branco que guarda papel de bala. Mato a saudade do amor que só desfalece quando se engole a presença. Algo meio clariceano, como tudo que é profundo, largo, combatente. Porque eu sei que é vida se estabelecendo com pulso de ansiedade, de caminhos tortos, de folhas ao vento. E o judas da ferida ou da solidão é chutado para a fogueira, churrasqueira de angústias nos dias de hoje. É nela que se queima toda a gastura do não-ter. E lá vamos nós colher as maçãs proibidas desta passagem cada vez menos irmã e mais estranha aos olhos da gentileza. Quando achamos que o mundo não tem mais guerras ou paz pra lhe apresentar, que já bastou ter visto os dragões da humanidade, eis que surge o desconhecido que move, atropela, sacode, transforma, distorce, incendeia, derruba orgulhos e vaidades, ganha da prostração e da inércia, além de bater forte no peito estilo vermelho-sangue. Sonhar acordado passa a ser a grande emoção da existência nesta fase esquisita aos olhos dos outros. Só nos resta caminhar entre nuvens, rir à toa, aproveitar o instante, deixar ser mar - espalhado, sorriso amplo, fluido -, brincar com a mágica dos deuses e gozar. Porque pedir explicações não faz parte dele. Amar é amoramar.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Bethânia e seu Oásis

Um 21 de abril bem bonito pra ficar na história de Aracaju. Data em que Maria Bethânia trouxe seu show "Cartas de Amor" para o Teatro Tobias Barreto e nos encheu de arte, intensidade, sintonia, flor no coração e cantos de amor na alma.
Em um dado momento, Maria Bethânia deu um intervalo e seus músicos continuaram, sob a batuta do maestro Wagner Tiso, nos embalando com pérolas mineiras, se eu não me engano, "Os sonhos não envelhecem", "Cais" e "Maria, Maria". Tiso é mineiro e não iria perder a oportunidade de nos emocionar. 
No registro, fotos um pouco turvas, mas bem sinceras desta blogueira. 





segunda-feira, 8 de abril de 2013

Couro fino


Vida aberta para a vociferação das confusões que vem das palavras. Dizemos o que não deveria ser dito. Calamos aquilo que poderia vir ao mundo como a força de uma faca sendo enfiada na carne de um animal que segue para o abate. Isso porque a realidade abre fendas naquilo que teoricamente já estaria cicatrizado, então a insolação desse ar bruto nos faz mais arredios e quentes de desgosto. Não se salva uma pedra cauterizada pelo suor desse sal do momento. Até lágrimas evaporam no calor da expectativa, mas pelo menos nos salvam em segundos de cortes afiados na garganta: o que estava preso, se liberta, senão pelo signo linguístico, pelo menos pela água salgada que escorre na face de quem tem o revestimento mastigado e a pele com três camadas expostas à selvageria do mundo. Enxertemos a epiderme de coragem e dureza, porque nesta caminhada áspera, só o couro grosso sobrevive.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Sereno


Invenção dos pontos que fecham esquinas e becos, protegendo o couro da realidade com tanta fita marcada para interligar a coragem e a sorte. Quem caminhou nessas ruas, percebeu a dureza das pedras e o chão escorregadio de uma chuva lacrimosa que limpou até a face lânguida do vazio. Sereno, o sereno esfria o nariz de quem sorri desajeitado, como se fosse a última alegria explorada na viela de dentro. Água, córrego, gotas, coração. Tum tum na calçada pra avisar que a tempestade chegou, avançou sobre as paredes da inconstância e soterrou a casa feita de incertezas. Sobraram restos de madeira prensada na esperança e mais a segurança de uma noite seca e suave. A vida é feita de barrancos, quedas e reconstruções. Enquanto o trovão esquarteja ouvidos e medos, cresce a palpitação de um caminho que só existe apontando para frente, lá onde o vento de sangue bombeia a cavidade das paixões.