quarta-feira, 19 de junho de 2013

Amoramar


Antes daqueles lapsos de sono, olho pra o porta-retrato no criado-mudo branco que guarda papel de bala. Mato a saudade do amor que só desfalece quando se engole a presença. Algo meio clariceano, como tudo que é profundo, largo, combatente. Porque eu sei que é vida se estabelecendo com pulso de ansiedade, de caminhos tortos, de folhas ao vento. E o judas da ferida ou da solidão é chutado para a fogueira, churrasqueira de angústias nos dias de hoje. É nela que se queima toda a gastura do não-ter. E lá vamos nós colher as maçãs proibidas desta passagem cada vez menos irmã e mais estranha aos olhos da gentileza. Quando achamos que o mundo não tem mais guerras ou paz pra lhe apresentar, que já bastou ter visto os dragões da humanidade, eis que surge o desconhecido que move, atropela, sacode, transforma, distorce, incendeia, derruba orgulhos e vaidades, ganha da prostração e da inércia, além de bater forte no peito estilo vermelho-sangue. Sonhar acordado passa a ser a grande emoção da existência nesta fase esquisita aos olhos dos outros. Só nos resta caminhar entre nuvens, rir à toa, aproveitar o instante, deixar ser mar - espalhado, sorriso amplo, fluido -, brincar com a mágica dos deuses e gozar. Porque pedir explicações não faz parte dele. Amar é amoramar.