quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Só para a escola?


Esta semana assisti a um filme que me deixou pensativa: Guerra de Canudos, de 1997. Acho que vi tanta beleza e cenas convicentes que me empolguei e lembrei que filmes assim, sobre fatos históricos e bem propícios ao uso educativo, sofrem grande preconceito, principalmente de alguns cinéfilos brasileiros. Mas há também uma grande parte de expectadores que estigmatiza e acha que filmes assim só servem para professor utilizar como mais um complemento na sua disciplina.
Bate uma melancolia bem no fundo, misturada com uma revolta... É que assisto a qualquer filme com a mente livre de preconceitos e idéias pré-concebidas. Infelizmente quem mais assiste - os alunos - é quem mais critica, pois foram "obrigados" pela escola e acabam desprezando o potencial das películas. "É muito chato esse filme. E ainda temos que fazer o trabalho", é o que diz a maioria. Já no tempo de escola percebia tudo isso e ficava irritada porque queria assistir "Dr. Jivago" e a turma não se calava.
Outro dia desses, mais uma vez me deu vontade de assistir ao filme "Memórias Póstumas de Brás Cubas", baseado na obra de Machado de Assis. Procurei em uma locadora, mas estava emprestado. O recepcionista disse: "É para trabalho?". Eu respondi que não. Quando finalmente achei em outra locadora, assisti em casa, como sempre, com um novo olhar. Ao devolver a mídia, o recepcionista falou bem certo de si: "Conseguiu fazer o trabalho da faculdade?". E assim fui para casa, com a impressão de que fiz algo que os outros fazem somente por obrigação.
E assim deve acontecer com filmes como "Aleijadinho", "Olga", "Dom", "O enigma de Kaspar Hauser", e até os mais tradicionais como "Senhora" e "Lucíola". Agora, tem dois filmes que são muito usados em universidades e parecem escapar do preconceito, talvez pela excelente qualidade: "Nós que aqui estamos por vós esperamos" e "Janela da alma", dois documentários. Não estou dizendo que esses filmes todos são excelentes. Só estou propondo uma visão extra-classe, onde possamos enxergar as características do filme, sem a obrigação do dever de casa para passar de ano.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Para que sossegar?


Estou lendo há um bom tempo o "Livro do desassossego", de Fernando Pessoa. E o mais interessante: não tenho a mínima vontade de acabar a leitura. É como se quisesse ter para sempre aquela bíblia me conduzindo ao menos uma vez por dia, me levando a refletir e a entrar na minha oração diária.
O livro é todo feito de fragmentos, como se fossem pensamentos derramados em momentos de profundidade do autor. A vida e a obra parecem se confundir completamente, como se Pessoa quisesse mesmo deixar esse "quase diário" para a posteridade.
Acompanhando o ritmo das outras obras do poeta português, cada uma com seus heterônimos, este "Livro do Desassossego" é realizado por meio de um semi-heterônimo, Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. E mais uma vez Pessoa se recolhe atrás deste narrador que agora resolveu escrever uma espécie de autobiografia sem fatos.
Tudo o que vê e sente é inspiração para esta prosa poética e filosófica. Há perguntas e respostas imediatas, o prazer e a dor de escrever, além de palavras em sistema de curvas, sempre dançando ao ritmo de uma melodia sedosa e, por vezes, "desversificada".

Fragmentos:

"São sempre cataclismos do cosmos as grandes angústias da nossa alma. Quando nos chegam, em torno a nós se erra o sol e se perturbam as estrelas. Em toda a alma que sente chega o dia em que o Destino nela representa um apocalipse de angústia - um entornar dos céus e dos mundos todos sobre a sua desconsolação".

"Para mim, escrever é desprezar-me; mas não posso deixar de escrever. Escrever é como a droga que repugno e tomo, o vício que desprezo e em que vivo".

"Escrever, sim, é perder-me, mas todos se perdem, porque tudo é perda. Porém eu perco-me sem alegria, não como o rio na foz para que nasceu incógnito, mas como o lago feito na praia pela maré alta, e cuja água sumida nunca mais regressa ao mar".


** Como o livro chega a custar mais de R$ 50 a edição normal, a Companhia das Letras lançou a edição de bolso que custa apenas R$ 29,50. É uma boa oportunidade de levar esse gostoso "desassossego" para qualquer lugar.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Ousadia natural


Alguém já leu "O amor natural", de Carlos Drummond de Andrade?

Mesmo sendo mais conhecido por suas poesias de cunho social e romântico, Drummond não deve ser esquecido quando se fala em literatura erótica brasileira. Mas não estou falando de um erotismo pelo erotismo, onde a frivolidade dos desejos é o que interessa, mas sim de um erotismo recheado de significado, emoldurado com muita delicadeza e sugestões sutis.

Curiosidade: Este livro com poesias eróticas não foi publicado em vida. Drummond era pudico demais para se expor. Um certo dia, acharam em sua gaveta essa obra ímpar.


Experimente um poema:


A língua lambe

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

"Ensaio sobre a cegueira"


A obra "Ensaio sobre a cegueira", do gajo premiado José Saramago, vai além da exploração do caos como fator determinante para a catarse da sociedade. Ela mostra a cegueira interior na qual estamos submersos, pois só enxergamos para fora e não estamos dispostos a observar o mundo com outros sentidos. É uma pena, porque se usássemos mais a nossa sensibilidade, o real não seria tão pedra bruta.
Provavelmente, quando Saramago descreveu a cegueira na narrativa, quis lembrar o quanto é importante estar de olhos fechados para ver além. Por isso a cegueira é branca. Não é igual à cegueira que surge por deficiência no organismo e escurece tudo ao redor. É a cegueira da luz, da luminosidade exagerada. Sim, porque luz demais também cega. É o extra branco de tudo aquilo que é impalpável e nos deixa atônitos porque não conseguimos decifrar com os olhos habituais.
É preciso não ver fisicamente o ambiente para poder compreender o terreno da intimidade.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Clariceando...


Quantas clarices (do tipo Lispector) devem existir por aí?
Tenho percebido que ultimamente vem crescendo o número de corações selvagens ao meu redor. É como se mais uma água-viva tivesse tocado (ou queimado) o imo de algumas vidas e imagino cada descoberta alheia com alegria, relembrando dos instantes-já onde também me deixei mergulhar.
Um novo conceito, uma nova textualidade, um novo risco, uma nova margem: tudo isso é o que você vai encontrar na obra de Lispector. Não pisque o olho de susto. Não tenha medo da vertigem de pulsar. Entregue-se!

Só pra começar

Em fase de teste, só experimentando este novo espaço, tentando deixar a timidez de lado para poder escrever aqui alguns ventos de pensamento...