terça-feira, 11 de novembro de 2008

Poesia do nada




Cidadão das coisas miúdas lá do Pantanal, o poeta Manoel de Barros brinca com os bichos e as coisas nos livros que faz sobre "coisa nenhuma", como ele mesmo diz. É que, mesmo parecendo um vovô do sítio, gosta de inovar ao desarrumar a linguagem e garante que não gosta de palavra acostumada. Segundo ele, a "palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo pra ser séria".
Manoel de Barros escreve sobre o inútil, ou mais exatamente sobre aquilo que é visto como dispensável, ou mais ainda, que não é visto. Enquanto o escritor se deleita com os movimentos das formigas, as idéias são farejadas e vão parar nas diversas obras que produziu ao longo dos anos. Mais do que a tentativa de expressar um nada, Manoel de Barros tenta reconstruir o mundo a partir de sua própria linguagem, virando as costas para o óbvio e o comum.
Ao descortinar o essencial com tamanha brincadeira, o vovô do sítio não se intimida com os olhares de espanto dos leitores mais quadrados. Ele sabe que não dá para ser diferente ou focar o olhar na banalidade se não for por meio do jogo das palavras, de onde são extraídas as grandes pérolas da verbalidade. Dando voltas em si, a linguagem manoelana comprova o quanto "a expressão reta não sonha".
Em "Livro sobre nada" (1996), Manoel de Barros realiza grandes rupturas com o convencional e cria neologismos a cada instante de versos, levando os leitores a pensar outras imagens diante da nova construção lingüística, onde os objetos ganham outros significados e os verbos se alimentam de variedades, como nos casos em que a transfiguração verbal resulta em novidades de sentido.
O que assusta em Manoel de Barros é o desfazer da poesia, é o brinquedo com o qual ele parece sorrir toda vez que descobre uma nova realidade para o que já estava em ordem. Desconstruir parece ser o verbo da vez na metapoesia do autor, por meio de um retorno ao fazer poético, ao delírio de se transformar em palavra toda vez que assim ela desejar.
Com tanta densidade, Manoel de Barros não é para ser lido à toa, mesmo que seja uma tarefa divertida. Isso porque há muita palavra dentro da palavra de seus versos. Pode-se dizer que o grande componente da sua obra é a metáfora, mas sem esquecer a ação desestruturante das figuras originais que beiram o incompreensível. Porém, o estilo parece ser o objetivo do autor, que deve vibrar com a musicalidade e o não-dizer da poesia, além da fragmentação de sua prosa poética. Todas essas características fazem de suas obras uma realidade desencaixada dos gêneros literários já conhecidos.
O autor mato-grossense, nascido em 1916, já ganhou diversos prêmios literários e pertence à geração de 45. Considerado um poeta moderno, principalmente no trato com a linguagem, é avesso ao lugar-comum e um estudioso de expressões que ainda não foram gastas. Em Manoel de Barros, a poesia atinge o universal, até mesmo quando a natureza serve de inspiração para o criançamento das palavras.

2 comentários:

suyenecorreia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
suyenecorreia disse...

Pois é, Lara, eu que não conhecia a poesia do Manuel, fiquei extasiada quando assiti ao documentário "Só Dez Por Cento é Mentira", lá na 32a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Já, te falei isso, por sinal, mas essa capa do livro dele que vc estampa em seu blog, será o ponto de partida para eu conhecer mais a fundo (ou rasamente, mesmo) o potencial de Barros.
Que tal irmos até Corumbá, visitá-lo?

Suy