segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Para que sossegar?


Estou lendo há um bom tempo o "Livro do desassossego", de Fernando Pessoa. E o mais interessante: não tenho a mínima vontade de acabar a leitura. É como se quisesse ter para sempre aquela bíblia me conduzindo ao menos uma vez por dia, me levando a refletir e a entrar na minha oração diária.
O livro é todo feito de fragmentos, como se fossem pensamentos derramados em momentos de profundidade do autor. A vida e a obra parecem se confundir completamente, como se Pessoa quisesse mesmo deixar esse "quase diário" para a posteridade.
Acompanhando o ritmo das outras obras do poeta português, cada uma com seus heterônimos, este "Livro do Desassossego" é realizado por meio de um semi-heterônimo, Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. E mais uma vez Pessoa se recolhe atrás deste narrador que agora resolveu escrever uma espécie de autobiografia sem fatos.
Tudo o que vê e sente é inspiração para esta prosa poética e filosófica. Há perguntas e respostas imediatas, o prazer e a dor de escrever, além de palavras em sistema de curvas, sempre dançando ao ritmo de uma melodia sedosa e, por vezes, "desversificada".

Fragmentos:

"São sempre cataclismos do cosmos as grandes angústias da nossa alma. Quando nos chegam, em torno a nós se erra o sol e se perturbam as estrelas. Em toda a alma que sente chega o dia em que o Destino nela representa um apocalipse de angústia - um entornar dos céus e dos mundos todos sobre a sua desconsolação".

"Para mim, escrever é desprezar-me; mas não posso deixar de escrever. Escrever é como a droga que repugno e tomo, o vício que desprezo e em que vivo".

"Escrever, sim, é perder-me, mas todos se perdem, porque tudo é perda. Porém eu perco-me sem alegria, não como o rio na foz para que nasceu incógnito, mas como o lago feito na praia pela maré alta, e cuja água sumida nunca mais regressa ao mar".


** Como o livro chega a custar mais de R$ 50 a edição normal, a Companhia das Letras lançou a edição de bolso que custa apenas R$ 29,50. É uma boa oportunidade de levar esse gostoso "desassossego" para qualquer lugar.

2 comentários:

suyenecorreia disse...

Um dia, minha cara, vou ceder aos chamados do inquieto e incerto pensar de Pessoa.
Ainda não tive coragem, porque vivo desassossegadamente, sem lê-lo, imagine...degustando-o dessa forma como vc o faz.
Ultimamente, estou ansiosa por temperos mais palatáveis. Que o amargo fique doce, que o picante permaneça excitante.

Larissa Cavadas disse...

Eterno Pessoa.
Acho que todos precisam de um livro com fragmentos desassossegados.
Gostei do blog.
Beijão ;*