quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A escritura como catarse


Em uma entrevista à revista Língua Portuguesa, o escritor Cristovão Tezza (um dos mais reconhecidos nos últimos anos, com várias de suas obras premiadas) explica que o seu mais recente livro, "O Filho Eterno", é um tanto autobiográfico, mas que só foi possível escrevê-lo porque já foram superados os dramas e houve um distanciamento e a frieza necessários para transformar as experiências em texto. E ele vai além: "Escrever não é catarse nem derramamento emocional. É uma representação distanciada".
Ora, a partir dessa opinião, podemos chegar à seguinte conclusão: existem escritores que preferem acreditar na própria imparcialidade com relação às suas vivências, principalmente internas, na hora de escrever; outros admitem ser praticamente impossível estar distante de si o suficiente para que nenhum resquício de sentimento seja transposto para o papel.
Desses dois tipos de autoria, Cristovão Tezza está dentre aqueles que prometem o afastamento do que vem de si próprio. Já Clarice Lispector pode ser a representante de um viés literário que tem como premissa a escritura desenhada com sangue. E o que dizer de toda literatura que utiliza o recurso do "fluxo de consciência", gasto até as tampas por Wirginia Woolf e até bastante comentado por Tezza em uma de suas análises críticas sobre a obra dela?!
Para alguns, talvez a literatura mais ardente e pulsante seja aquela que consiga transpor o "eu individual" e diluir-se no universo, mas sem perder o elo com a essência que pede erupção. Isso quer dizer que, mais do que resolver conflitos existenciais do escritor, a obra que surge e capta como base a própria experiência, serve para traduzir o indizível para o mundo, para causar identificações e fazer com que o leitor se sinta menos solitário a cada texto compatível com seu “ar de dentro”. Como dizia Clarice, a escrita é uma espécie de salvação. Salva quem faz e quem lê.

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