quarta-feira, 29 de junho de 2011

"Selma e Sinatra": não olhem a capa


Mais uma vez, vamos a uma obra de Martha Medeiros: “Selma e Sinatra”. O título soa estranho, um tanto brega, assim como a capa, que traz o rosto desfocado de uma senhora mostrando algumas joias. Se dependesse dessa antipropaganda que a editora Objetiva fez questão de publicar, não compraria o livro. Adquiri-o por causa do óbvio: a autora. Sou aficcionada pelas suas obras e não poderia deixar passar essa que se mostrava, um tanto estranha, confesso, na estante da livraria.

Tratado como romance, o livro traz uma narrativa com muitos diálogos entre as personagens principais: duas mulheres diferentes que se encontram devido a um projeto em comum. Selma é uma idosa que foi uma famosa cantora anos atrás e faz acordo com uma editora para produção de sua biografia. Guta é uma jornalista com sede de descobertas, contratada pela editora para fazer a biografia de Selma.

As duas se encontram diversas vezes, mas Selma sempre se esquiva de dizer o que Guta espera ouvir. A jornalista acha que fazer uma biografia de uma vida simplória, polianesca e digna de um conto de fadas não traz nada de novo aos fãs da cantora. A partir daí, começa o embate das duas. Guta quer convencê-la de que uma vida sem atropelos e conflitos não existe e que ela deve expor os seus dramas. Selma, por sua vez, diz que cada um carrega a máscara que lhe convém e que os outros só devem saber aquilo que a pessoa tem vontade de expressar.

O texto é muito bem escrito, assim como tudo que Martha Medeiros faz, mas o livro não chega a ser dos melhores. É mais um para se ter na estante, para refletir sobre certas questões inerentes à natureza humana, pois como a personagem Selma diz: “A convivência humana é um teatro sem fim”. Em outra passagem, uma frase brilhante para fazer pensar: “(...) E o que eu penso sobre mim mesma já deixou de me incomodar”.

Como dizem por aí, a leitura pode ser feita “num piscar de olhos”. É fluente, goza de estilo fácil em 129 páginas feitas para se deleitar. Martha Medeiros encanta mesmo quando sua obra parece infértil. É o tom da sua palavra e da sua narrativa que vence sem precisar de medalhas ou troféus. “Selma e Sinatra” merecia outro título, outra capa, mas seu conteúdo vale a pena: excepcional.


quarta-feira, 8 de junho de 2011

Não é para entender...


Dor que se carrega nas entranhas do tempo e faz com que desçamos os degraus do equilíbrio para chegarmos à violência animal. Extintos, vagueamos por entre castelos de agonia e perdição. Aquela areia não serve mais para a construção da coragem. A brita virou pó e agora nem brilha mais neste chão de sentimentos desgastados pelo vento da desimportância. Caminhemos nos trilhos, já que o trem da conquista descarrilhou de vez. A vitória, destituída de percalços, não tem gosto e nem cheiro: é incolor e pálida. Estranho seria pensar que o sorriso poderia garantir um caminho ameno, mas apenas levanta as revezes da vida. Bichos que somos, lançados ao fogo a todo instante, dançamos sem saber o tango do desespero. Gostem ou não, gozem ou não, somos diferentes, latentes e formigantes. Pulso palpitante na veia da realidade.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Água impiedosa


Indignação de corpo rejeitado, deitado na sarjeta dos sonhos, pisado numa calçada de feira qualquer. A fome pede um olhar direcionado para dentro, um conforto dos sentidos, um apaziguamento das sensações. Flor de angústia a desabrochar no peito onde todas as facas são cravadas. A sede vem forte: arrasta uma água impiedosa a descer goela abaixo. As necessidades básicas viram dificuldades mórbidas. O gosto do desprezo sai mais amargo que aquele café sem açúcar. E aqueles que deveriam amar, ah, aqueles... não sabem enxergar. São os cegos do egoísmo. O mundo não está preparado para oferecer o alimento. E aceitar a baixeza da realidade é cruel demais. O jeito é cuspir farpas: fogo da mudança acenando ao longe.