Coração cheio também encharca. Nem que seja de lágrimas de
amor e realidade. Porque não é só a ilusão que nos faz subir a montanha com a
força de um bicho com fome à procura do alimento. O real, aqui e agora, também
pode doer de felicidade. E os olhos marejam, o corpo parece levitar, o sol nubla
e brilha ao mesmo tempo num bailar que não incomoda, pelo contrário, ajuda a
disseminar esse vermelho pulsante que não é sangue e sim a matéria invisível
mais elevada e que nos compõe. Sem o amor, estaríamos condenados ao eterno
fracasso, ao desespero, ao fim. A vida latejando é o que nos supre de esperança
e gratidão. Mas às vezes dói. Não uma dor insuportável ou negativa. Está mais
pra um balde cheio de água limpa e feliz, que também transborda como a água
suja. A diferença está no que se espalha no chão ou na vida, mostrando que
somos capazes de ter um pedacinho do divino em algum compartimento do íntimo. Vontade
de servir, doar, se entregar, devolver ao mundo o que recebemos por meio de
fios que os nossos sentidos não alcançam, porém, mais resistentes que qualquer
concreto que possamos tocar. Não tem sonho neste exato segundo. Tem a coisa em si, a realidade copulando com o
espírito do corpo, a sensatez de beijos trocados na mesma intensidade, o
desmatamento da desilusão, o murro na cara exigindo destemor e audácia. O
sublime em nós manifesta aperto, contração e vontade: ânimo da semente
germinando vida para cima, planta se fazendo vistosa, previsão de frutos
suculentos no horizonte e seiva correndo coragem no caule.