segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Peça sobre Clarice Lispector









Como prometido em outros posts, aqui vão as minhas impressões sobre a peça "Simplesmente Eu, Clarice Lispector", que está em cartaz no Teatro Renaissance, em São Paulo. Primeiramente, devo falar da minha expectativa em torno de um espetáculo que por si só já chamou a atenção da fã de Clarice aqui. Tudo aconteceu por obra e graça do universo. Pois é... acredito no "que tinha que ser". Há muito tempo já vinha acompanhando pela internet o percurso dessa peça, mas até então não sabia que ela aportaria em SP justamente no período em que passaria um final de semana por lá.

Pois então, faltando uma semana para a viagem, eis que fico até mais tarde assistindo Jô Soares (não tenho esse costume) e vejo a entrevista da atriz Beth Goulart falando sobre a peça e contando em qual teatro estava. No outro dia, logo cedo, comprei os ingressos pela internet. E...pasmem! Só tinha 7 vagas para o dia em que eu poderia assistir. A sorte é que todas eram bem localizadas, na parte da frente, bem no meio, para que eu pudesse olhar nos olhos daquelas verdades clariceanas.

Cheguei em cima da hora, mas consegui numa boa me concentrar para aquele momento que seria um dos mais mágicos da minha vida. A peça inteira é um monólogo perfeitamente conduzido por Beth Goulart, que troca de roupa sutilmente e se utiliza de cadeiras, divã, cigarros e taças de vinho para compor a personalidade de Clarice, tão complexa e simples ao mesmo tempo.

Nem o frio de 16 graus (sensação térmica de muito menos) fez com que eu desanimasse diante de tamanha interpretação da atriz que deu vida - ou pulso de vida, como preferiria Clarice - a uma Lispector carente, amorosa, meiga e forte ao mesmo tempo. Beth Goulart se arriscou na famosa língua presa de Clarice e soube transmitir cada pensamento da escritora. Tudo o que foi dito, foi retirado de algum livro ou da própria biografia de Clarice. Também houve um momento em que fazia menção à entrevista de Clarice concedida à TV, onde ela responde, com altivez, a quem lhe pergunta o por que de escrever: "Por que você bebe água?.

Em alguns momentos, uma Clarice chorosa, pedinte de colo, com aquele probleminha na língua, e ainda com o suporte da representação da atriz, fazia com que o público viesse a rir. Eu não ri. Não senti que era pra rir. Talvez porque nunca tenha lido Clarice de um jeito mais leve. Sempre via tristeza e carência em seus apelos. Mas se as pessoas conseguem vê-la à distância, como uma criança que está com birra, talvez seja o caso para repensar as formas de interpretá-la.

Durante o espetáculo, que durou cerca de uma hora e meia, a plateia se manteve imóvel, em silêncio, assistindo a uma narração perfeita, movimentos compassados, a própria incorporação de Clarice naquele palco que estava ali, tão próximo de mim. A atriz, que às vezes parecia estar com Lispector no corpo, olhava para o público. Às vezes sentia o olhar perdido, queria que fosse direcionado pra mim, como se Clarice - minha guia - estivesse querendo me dizer algo. Deixem eu sonhar, delirar... É coisa de fã...hehehe

Quando terminou a peça, a atriz foi aplaudidíssima de pé, é claro, e ainda incentivou que todos nós buscássemos refletir sobre tudo o que absorvemos naquela noite mágica. Ao final, Beth Goulart, muito gentil, fez o sorteio de 3 livros de Clarice. Mas nunca tive sorte com sorteios. Depois, o staff do espetáculo entregou um livreto com fotos e que conta um pouco da história da peça. Lembranças em papel que vão ficar pra sempre comigo: o livreto e o ingresso. Repito: coisa de fã...hehehe

Agora, saindo das minhas impressões, vão aqui algumas curiosidades sobre a peça: o espetáculo é escrito e dirigido por Goulart, que recebeu o Prêmio Shell - RJ como melhor atriz por sua interpretação. Sozinha no palco, Goulart interpreta a autora e quatro de suas personagens: Joana, de "Perto do Coração Selvagem"; Ana, do conto "Amor"; Lóri, de "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres"; e uma outra mulher sem nome, do conto "Perdoando Deus".

Confissão: em alguns momentos, se a atriz parasse de falar os escritos, eu seria capaz de fechar os olhos e continuar a narrativa. Emoção mesmo foi quando ela interpretou a prece de Clarice, pra mim, uma das mais belas do mundo. Depois posto aqui pra vocês conhecerem. É isso. Não teria como falar isenta das emoções. Sou lispectoriana até a última gota de sangue. Ou como diria Clarice, sou muita vida nesse instante-já.

Ah, só um detalhe: o espetáculo não pode ser fotografado e nem filmado.

6 comentários:

Raiana Reis disse...

Quando vi as fotos já imaginei a magia de presenciar essas peça, como se fosse mais uma das tantas pulsações deixadas por Clarice. Seu texto então, descrito sem dúvida pela ótica carinhosa dos que ela cativa nas sensações compartilhadas, me fez viajar pra aquele momento, como se estivesse ali também... Ai que inveja branca, e ao mesmo tempo agraciada por dividir esse momento, inesquecível, de certo.
Beijos Lara, adorei o teu momento clariceano aqui.

Lízia Martins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lízia Martins disse...

Depois de assistir a peça fui buscar outros textos de Clarice e me encantei. A peça, o texto, o contexto, parecia falar sobre mim, sobre o meu eu ou a falta dele.
Adoreiiiiiii. Agora vamos programar nosso próximo tour. Dessa vez com direito a mais dias, mais compras,mais visitas e inclusive dormir mais.
xeruuuu Larinha!

Cristina Almeida disse...

Tiete igual da nossa Clarice, compreendi, ou melhor, incorporei cada sensação descrita por vc ao assistir à peça. Incluindo a parte em q vc tentava atrair o olhar da Beth/Clarice. Perfeitas percepções. Me senti na peça. Obrigada! Um beijo e parabéns!

zenaide disse...

Muito bom seu comentário. Impecável.Ao contrário de Raiana eu senti uma inveja branca, preta, vermelha, amarela, até roxa. No fundo mesmo todas essas cores de inveja se resumem numa só palavra: "Orgulho" de mãe.
Uma benção.

Tiago de Oliveira disse...

Olá
Posso, talvez ser bobo em pensar assim mas... não quero ver "Clarice" em peça de teatro, filme, biografia... quero conhecer o que ela queria que conhecêssemos: o seu não dito. O que, para mim, não se encontra em nada do que mencionei, mas só e somente só em seus escritos. Eles me bastam, com toda a vastidão, eles me bastam. O que vejo é que entrei "em contato" com ela, entende? Não quero explicações, porque para mim, hoje, pouco importa qual foi a fonte. Sua linguagem é, creio eu, suficiente para me dizer muito sobre ela, sobre mim e sobre "não dito" de nós.

Desculpe, mas é que realmente temo quando o assunto é interpretações de Clarice. Não teria coragem de ver a peça.
Abraço, e fique à vontade para frequentar-nos: Maracujá com Açúcar